domingo, 19 de julho de 2009

A Marcha dos Invisíveis - Terminal Guadalupe

Remoendo os arquivos , eu encontrei essa resenha aqui do Terminal Guadalupe, feita há uns dois anos. É engraçado ver como as coisas mudam - hoje a banda quase acabou e ressurgirá no segundo semestre com nova formação , só remanescendo o vocalista Dary Jr. Enfim , ainda resta a idéia de que este é um dos grandes discos da década.

Terminal Guadalupe - A Marcha dos Invisíveis - 2007

Se há uma banda , que ao meu ver , tem a chance de alcançar o caráter messiânico da Legião Urbana e dos Los Hermanos hoje em dia , essa banda é o Terminal Guadalupe. Vindos de Curitiba , o quinteto liderado por Dary Jr (vocais e letras) e Allan Yokohama (backing vocals , guitarras e melodias) faz um dos melhores discos nacionais de 2007.

A abertura é com "Terminal Guadalupe" , canção que explica o nome da banda através da indignação com o mito que Curitiba é uma cidade desenvolvida("onde começa e acaba o mito/que trás perfeição(...)a tal cidade européia/só existe na ficção") - Guadalupe é o nome de um terminal de ônibus que divide a cidade entre a zona rica e a pobre. (N. do E: Eu guardo a mesma sensação com São Caetano do Sul).

"Pernambuco Chorou" , na sequência , é baseada no filme "O Prisioneiro da Grade de Ferro" e questiona a posição coxinha do rock nacional ("Quanto quem vende atitude/em comercial de refrigerante") e o sistema carcerário brasileiro. "Atalho Clichê" começa com um empolgante riff e discursa sobre erros e acertos , desculpas e confusões. "El Pueblo No Se Va" joga a discussão para o âmbito mundial , falando em dívida externa e a América Latina.

"O Segundo Passo" é uma grande balada que revisita a idéia da filosofia grega de que é "impossível entrar num rio duas vezes" para usá-la como incentivo ao carpe diem. Em seguida , vem "De Turim a Acapulco" que dispara imagens de loucura e incompreensão pra falar de escapismo e amor. Pra finalizar , a politizada "Praça de Alimentação" atira para todos os lados da política nacional ("A coleção de inverno do tucanato/E as roupas íntimas dos neo-petistas/A decadência das elites baianas") e instiga os jovens a não se alienarem. Se a mensagem chegará aos ouvidos de quem precisa ouvi-las , não se sabe ao certo. Mas que este é um grande disco , com certeza é.

A Marcha dos Invisíveis - 3º disco do Terminal Guadalupe. Produção de Tomás Magno , gravado na Toca do Bandido(RJ). Terminal Guadalupe é Dary Jr. (vocais e letras) , Allan Yokohama(guitarras e voz) , Lucas Borba(guitarras) , Rubens K(baixo) e Fabiano Ferronato(bateria). Tracklist: Terminal Guadalupe , Pernambuco Chorou , Atalho Clichê , Recorte Médio-Oriental , A Marcha dos Invisíveis , Cachorro Magro , El Pueblo No Se Va , O Segundo Passo , De Turim a Acapulco , Praça de Alimentação.

quarta-feira, 15 de julho de 2009

Roxão (O Nome do Peixe)

Enquanto eu estou em Itatiba , um texto aleatório pra vocês se divertirem. Nada de mais , já vou avisando.

Às vezes eu não acredito nos amigos que eu tenho e nas bobagens que eles são capazes de falar. O pior é que muitas vezes essas bobagens fazem todo o sentido do mundo. O Juca , por exemplo , me ligou essa semana pra me chamar pra ir na casa dele ver o clássico e a conversa acabou indo parar no peixe que o irmão dele , o Gustavo , ganhou.

- Mano , meu irmão ganhou um peixe. Sobrou pra mim alimentar o bicho , vê se ele tá bem , só trocar a água que ainda não...
- Se fudeu!
- Mas logo menos eu vou ter que trocar a água... e sabe o que é foda? Os nego aqui de casa não deixa nem eu escolher o nome do peixe!
- Mas o peixe é do teu irmão!
- Ah , mas sou eu que cuido... Eu quero que ele chame Mano Peixe.
- Pô , da hora... Mano Peixe é um nome muito foda
- Mas não , o povo aqui quer Roxão. Porra , ele já é roxo , vai ter roxo no nome...
- Roxão é mancada. Prefiro Mano Peixe.
- Ô! Mano Peixe... é mais legal até. Quando ele for fazer entrevista de trabalho... "prazer, Roxão".
- Só se for pra trabalhar no circo...
- Então mano , o que eu tô te dizendo... "prazer , Mano Peixe". Impõe respeito , tá ligado?!
- Tô! Concordo contigo!
- É foda... não pensam no futuro do peixe , meu!

sábado, 11 de julho de 2009

Feliz Ano Velho , de Roberto Gervitz

Feliz Ano Velho , de Roberto Gervitz

O letreiro no começo do filme já indica que esta é uma livre adaptação do livro homônimo do Marcelo Rubens Paiva. Tá , tudo bem , mas precisava carregar tanto assim nas tintas? A história do livro já é bem batida mas não custa relembrar: Marcelo , estudante da UNICAMP e filho do deputado Rubens Paiva , dá um mergulho e sofre um acidente , ficando tetraplégico. O livro conta a história da recuperação do moço e acaba por traçar um painel da juventude da virada dos 70 pros 80 , com muita sinceridade e deixando um sorriso no rosto do leitor. Marcou época , sendo lançado na Cantadas Literárias da Brasiliense.

Já o filme de Roberto Gervitz resolveu se esconder na famigerada "livre adaptação". Transformou Marcelo em Mário , inventou personagens a mais e exagerou na dose. O que era reflexão e riso no livro virou confusão e apatia no filme. Marcos Breda , que interpreta Mário , não tem carisma e muitas vezes fica com cara de bunda. O núcleo dos deficientes físicos não se salva muito , seja pelo pseudoauxílio de Marco Nanini como Beto ou a rebeldia inútil do personagem Arnaldo.

Quem realmente dá alguma alegria à trama é Malu Mader - nos dois papéis de fêmea de Mário: Ana , a paixão platônica de colégio que vira namorada na universidade , e Angela , a bailarina - , Carlos Loffler e seu Klauss (mesmo que a música que os dois cantem seja horrível) , Betty Goffman (Soninha) e Julio Levy (Gorda). Eva Wilma como Lúcia, a mãe de Mário, também não decpeciona.

A fotografia e a direção de arte deixam muito a desejar. Talvez pelos excessos dos anos 80 ou pelo baixo orçamento disponível à época , a opção de carregar nos tons escuros e frios por muito tempo das cenas torna a história pesada e entendiante. A trilha , essa também não ajuda. Enquanto o livro falava muito de Gil, Caetano , Beatles e rock'n roll , o filme fica só nos sintetizadores repetitivos típicos da década.

Talvez seja esse o grande problema do filme. A década. Primeiro: investimentos pra cinema no Brasil dos anos 80 eram quase nulos. Segundo: a cafonice do audiovisual da época contaminou o filme. Se fosse refilmado hoje , nas mãos de um cineasta competente como Jorge Furtado , faria miséria. Aqui entre nós, vai: leia o livro , esqueça o filme.

sexta-feira, 10 de julho de 2009

Mudança

"We're going home
You and I have memories

Longer thanthe road that stretches out ahead"
(Two of Us , The Beatles)

Ando meio aéreo nos últimos dias. Não sei se é simplesmente a sensação de perceber o tempo se esvaindo pouco a pouco - e as férias são terríveis para isso , ainda mais essas de agora quando eu ouço cada vez mais perto o grito de "School's Out" entalado na garganta. Entalado? Taí uma coisa que eu não sei ao certo. Eu reclamo e reclamo , mas eu gosto da escola. É bom ter esse esquema de esforço e mérito - você trabalha e é recompensado por isso. Dá orgulho de ver aquele 10 no alto da folha. Não sei - e provavelmente não vai ser a mesma coisa com o meu editor-chefe.

Mas como eu vinha dizendo - aliás , marca essa horrível pra voltar ao texto depois de uma digressão inesperada - o tempo passa e e ando aéreo. Terça que vem eu mudo de casa. Não é só uma simples mudança ,mas é a primeira vez que eu mudo desde que eu nasci. Meus últimos dias têm sido completamente marcados por encaixotar coisas e ajudar meu pai com os móveis novos - ele resolveu que ia fazer e restaurar uns móveis pra casa nova, precisa de ajuda (mão de obra barata e escrava , como ele diria) e acaba sobrando pra mim. Ok , ajudar é legal e não só vagabundear também , mas poxa , eu queria descansar e ler... mas não , vamos mudar pra "casa nova".

E é bem engraçado pensar nisso: essa casa nova não vai ser "a casa da infância , onde eu cresci" , mas apenas um complemento do rito de passagem. Ninho estranho , novo e bonito , mas que eu pretendo abandonar logo - morar sozinho em Sampa é um dos meus primeiros objetivos depois de começar a trabalhar em algum lugar. Talvez por isso eu ande aéreo. Pros meus pais é a casa dos sonhos. Pra mim é só mais um estágio , e tento economizar forças pros próximos saltos.

Sei lá , só um desabafo. Ou uma maneira de dizer: ei , vou ficar fora por uns dias porque eu tô mudando de casa. Querido diário, eis o último escrito da João Galego 168. Vai deixar saudade. =).

quarta-feira, 1 de julho de 2009

Apenas o Fim , de Matheus Souza

Apenas o Fim - Matheus Souza - 2009

Antes de tudo, umas poucas palavrinhas sobre este artigo. Ele não vai falar de coisas muito importantes (também) nesse filme , a saber:

1 - Erika Mader é uma das atrizes mais lindas da nova geração do cinema brasileiro.
2 - É possível sim fazer cinema barato e de qualidade para as massas no Brasil.
3 - Queira ou não queira , Los Hermanos é uma banda muito foda (mas o "4" é um disco bem porco) e influente na geração 00 com mais de três neurônios.
4 - Criticar o estilinho nerd do "Antônio" (o personagem vivido por Gregório Duvivier) , com camisa pólo e óculos sem grau roubado do avô.
5 - Pagar de mala e falar sobre a influência de "Before the Sunrise/Sunset" e Kevin Smith em Matheus Souza , diretor do filme. E claro , sobre a similaridade filha da puta com o Clube do Takeda.
6 - Um cara em cima de um cavalo branco pode tudo.

O amor acaba , e aí? O que fica? Uma caixa de pizza , uma embalagem de hambúrguer , um copo de plástico com a borda mordida onde antes havia Coca-Cola? Ou talvez nem acaba , só fica em suspensão , sem saber onde vai ou quando volta. Muitos são os descaminhos , mas o fim é , como diz o nome do filme , "apenas o fim". O amor acaba , o resto fica.

Ok, o mote da trama é bem simples. A garota dos sonhos de qualquer cara (Erika Mader) namora o nosso pequeno nerd hero (Gregório Duvivier). Ele tem uma prova na faculdade , ela anuncia que vai embora pra sempre em uma hora. E nessa hora , eles conversam sobre o relacionamento deles , clichês amorosos (e o clichê que é falar de amor e o clichê que é falar que é clichê falar de amor) e pequenas coisas: Pokémons (Bulbasaur) , boybands (Backstreet Boys) , a música preferida , videogames (Nintendo). Você já viu isso antes e não é a última vez que verá.

Lógico que o cerne do filme é diálogo - e apenas entre os dois , uma vez que as outras personagens que aparecem por alguns instantes nada contribuem para o ritmo da história , nem na pequena metalinguagem da cena com Marcelo Adnet. E parece ironicamente alegórico que as influências externas só atrapalhem - a história , um relacionamento , enfim.

São os detalhes que ficam. O amor acaba um dia. Fisicamente , presencialmente. Os momentos especiais permanecem , impressões digitais por toda a parte , qualquer estante ou fundo de gaveta ou caixa de sapatos mostra isso. A gente sabe que vai acabar , desde o começo - e a graça é se envolver e achar que não , acreditar que não. E o fim? Muitos são os descaminhos , mas o fim é apenas o fim. O amor fica , o resto acaba.

quinta-feira, 11 de junho de 2009

Singles , de Cameron Crowe

Singles - Cameron Crowe - 1992

Quando se é solteiro , seus amigos são as pessoas mais próximas, companheiros de cerveja , de truco , de música , de falar bobagem. Estão todos na mesma , correndo atrás de alguém ou fingindo que não querem nem correr pra não ter problemas. Quando se é solteiro , vai-se para a noite sem qualquer preocupação e com apenas um objetivo: se dar bem até , pelo menos , a manhã seguinte.

É mais ou menos essa situação e época que Cameron Crowe decidiu retratar em seu segundo filme , "Singles" (traduzido aqui com o decente nome de "Vida de Solteiro"). O lugar? Seattle , início dos anos 90 , o que deu-lhe de presente uma trilha sonora pontuada por Alice in Chains , Pearl Jam , Chris Cornell , Pixies e ainda o mote para o personagem de Matt Dillon , que nos rende boas risadas com a sua banda Citizen Dick.

Crowe nos oferece um painel de histórias: a garota que quer fazer uma cirurgia em seus peitos para agradar o namorado , a vizinha que quer arranja marido e entra num programa de encontros por vídeo , o jovem bem-sucedido com uma idéia e sem uma garota e a garota bem-sucedida com planos e sem um cara , a gravidez indesejada , o amadurecer e ir atrás de seus sonhos , aquele velho blábláblá de sempre.

Mas há de se destacar que nem sempre esses temas são levados com a leveza e a maneira que Crowe nos propicia. Não chega a ser seu melhor filme (ele cresceria muito mais em "Jerry Maguire" e deste para "Quase Famosos" ainda mais) , mas é um acerto , marcado por sorrisos e uma reflexão interessante sobre os velhos mitos da "hora certa" , da "pessoa certa" , do tempo e de como tudo se conecta.

domingo, 7 de junho de 2009

Cai a Neve em Budapeste

"would kiss my eyes and lay me down
in silence easy to be born again?"
(Van Morrison , Astral Weeks)

cai a neve em Budapeste
revela ela uma cidade alva
pura feito o primeiro beijo
doce floco de neve , tua pele até então intocada
e do toque fez-se o riso e do riso fez-se o afeto
declarado mais que declarado em sorrisos abertos

eu seria capaz dos maiores neologismos
inventar pra descrever o sentimento agora desperto
mas sofro o risco de não ser original
outro poeta já cantou sua musa dessa maneira
com a ternura mais (pro)funda e cotidiana.
teadorointensamente , Teodora.

(odeio qualquer distância que me impeça
serenata , fuga noturna , samba pa ti
te raptar em plena madrugada e fugir por aí

a gente precisa ver o luar
deitados no chão ouvindo
a infinitude das estrelas)

moon river and me and you.
(em quaisquer todas semanas astrais
de hoje em diante , agora e todo o tempo).

domingo, 31 de maio de 2009

Faber Castell

"You've made my life so glamorous
You can't blame me for feeling amorous.
Oh! 'S wonderful 'S marvelous
That you should care for me..."
('S Wonderful , George & Ira Gershwin)

Eu percorria as estantes repletas de todos aqueles livros , títulos , palavras , nomes estranhos que nunca li. Lombadas coloridas como caixa de lápis de cor Faber Castell nova em folha , saudade da época do jardim de infância. De vez em quando eu abria em uma página qualquer de um livro qualquer e lia uma frase pra você. Um título ou um passo de dança , pra te enternecer e te fazer sorrir.

Até agora eu não entendo como é que eu passei cerca de seis meses fazendo você esperar. E esperando que o passado me trouxesse algo de novo , quando eu não via que o presente e o futuro estavam ali do meu lado. Verde , muito verde. Havia brilho em nossos olhos e estrelas no céu , mesmo que os seus não deixassem você vê-las.

Um cantinho , um violão , um velho disco amoroso de João Gilberto que os meus pais ouviam quando namoravam. Uma canção de Gershwin - e o seu avô adora Gerswhin , e a sua vó gosta de ouvir você dizer que o tempo devia ser terno assim sempre. E menos corrido , pra gente descansar ao pé de uma árvore e jogar o relógio pra lá.

À meia luz de meia-noite passada , eu te digo boa noite e percebo o quão triste é ter uma garota e ir dormir sozinho na sua cama. Você vai embora e eu fico sempre pensando em te escrever alguma coisa e nunca escrevo nada. Se esse texto por acaso chegar às tuas mãos , é porque eu já estou dormindo - na verdade , eu estou sonhando , desde aquela praça. E envolvido nesse teu abraço , eu não tô nem um pouco a fim de acordar.

domingo, 10 de maio de 2009

Tudo O Que Eu Sempre Sonhei

Tudo O Que Eu Sempre Sonhei - Pullovers - 2009

É tudo muito estranho quando um dia começa muito mal e acaba muito bem. Foi mais ou menos no espírito de tudo muito bem , pós show de amigos , restaurante de comida mexicana e um passeio de metrô delicioso e lindo que bateu aqui na tela do meu computador que o disco do Pullovers tinha saído. Finalmente , depois de quase três ou quatro anos de espera. Mas valeu a pena esperar.

Os Pullovers , sob a batuta de Luiz Venâncio e agora com a participação especialíssima de Habacuque Lima - de outra banda favorita da casa , o Ludov - , são seguidores da boa linha de rock paulistano sobre São Paulo , como já fizeram Ronnie Cord (Rua Augusta) , Mutantes (Baby) e o IRA! (Envelheço na Cidade , Tolices).

Ou o que dizer sobre coisas como "1932" , que revisita a Revolução de 32 para falar do amor de um paulista por uma carioca , "O amor verdadeiro não tem vista para o mar" ou "Todas as Canções são de Amor". Ou a beleza do cotidiano de "Marinês" , a encantadora flor da zona Leste? E o orgulho nerd de "Futebol de Óculos"? A pureza de "O que dará o Salgueiro?" , a crueza e a melancolia de "Marcelo ou Eu Traí o Rock" e da faixa-título.

Sério , assim , na boa. Não dá pra acreditar no que esses caras cantam. É lindo , é puro , é simples. Me lembra Teenage Fanclub , pela capacidade de melodias cativantes e de dizer o óbvio sem soar óbvio. Fácil fácil , até agora , o disco do ano.

Aqui entre nós... São Paulo é a melhor cidade do mundo. Eu nunca vou cansar de dizer isso.

sábado, 9 de maio de 2009

O Menino Lucca e O Monstro do Lago Ness

Não , não é meu. Me falta inspiração total , e numa hora dessas é que a gente recorre um bocado aos mestres. Esse aqui sempre foi um dos meus preferidos do Takeda , porque fala de sol , de crianças , e de David Bowie. We can be heroes , just for one day.

O menino Lucca apareceu assim de repente, no segundo dia de praia, enquanto os dois tentavam lembrar a letra de uma antiga canção de David Bowie, entre uma lata de cerveja e outra, como se essa fosse a única maneira de escapar de todo o axé em alto volume que balançavam as suas cadeiras de plástico. E, então, junto com os versos finais de Rebel, Rebel surge ao lado de João e Julia aquela criança de cinco, seis anos no máximo, com a pele morena de sol e um sorriso que convidava à conversa. Era inevitável. E inevitável foi.

Não, eles não sabiam muito sobre crianças, somente o básico, se é que algo assim existe, e, mesmo com tantos amigos com bebês por aí, você sabe como é a vida quando se está próximo demais dos trinta anos, os dois mal conversavam sobre filhos. Mas o menino Lucca falava como se não estivesse falando com um adulto e, cada vez que João e Julia fugiam de seus baldes cheios de areia, os três pareciam ter a mesma idade, três crianças e uma brincadeira apenas. E, sem querer, a brincadeira foi crescendo a cada dia de praia. Com mais um bebê de colo para cuidar, a mãe do menino Lucca se sentiu aliviada e simplesmente deixou que o seu filho passasse todos os dias na companhia de outro casal. Eles desenharam estrelas de cinco pontas na areia. Eles construiram castelos para se esconder do monstro do Lago Ness. Julia até tentou dizer que o Lago Ness era um lago e eles estavam no mar, mas João argumentou que era muito mais emocionante ser um monstro do Lago Ness do que um monstro do Mar de Florianópolis. Eles até ensinaram o menino Lucca a cantar David Bowie.

Quando o pequeno disse que teve pesadelos com o monstro do Lago Ness na outra noite, Julia não teve dúvidas. Disse para ele acordar, respirar fundo, enxugar as lágrimas e começar a cantarolar Ziggy Stardust. Ou vocês não sabiam que a única pessoa capaz de derrotar o monstro do Lago Ness é o incrível Ziggy Stardust? Foi assim, entre monstros, canções de David Bowie e muita areia no corpo que os dois passaram aquele verão.

É claro que foi difícil se despedir do menino Lucca. E nem preciso dizer que Julia caiu aos prantos quando ele cantou, em um inglês quase perfeito, Heroes. Na estrada, de volta para casa, enquanto colocava uma foto do menino Lucca no painel do carro, João pediu para que Julia o ensinasse a cantar melhor Ziggy Stardust.

– Por quê? Você também está sonhando com o monstro do Lago Ness? – perguntou ela.
– Eu? Não, não – respondeu ele sorrindo. – Mas preciso estar preparado para quando o nosso filho sonhar.