domingo, 26 de abril de 2009

Brastemp

A última parte da história do nosso querido motoboy. Pelo menos até que esse autor tenha inspiração pra novos personagens.

Eu já tinha armado tudo. Quinta-feira , sete horas , ainda não era um horário que o pessoal pedia muita pizza. O Geraldo , o pizzaiolo , ia me arranjar uma rúcula com tomate seco no capricho e um vinho tinto de Atibaia. Eu passava lá , fingia que tinha que levar um lero com o Zé pro gerente não desconfiar de nada e ia direto pra Cubatão , 134.

Depois de ouvir três vezes direto o Rocket to Russia - pra inspirar , é claro - eu saí de casa. Passei pela Nazaré , entrei na Gentil e subi a Santa Cruz. Encomenda recebida , tudo certo , repeti o mesmo caminho do último sábado todo confiante. Ao chegar no prédio o porteiro nem perguntou nada. Eu disse que esse cara era gente boa!

Toquei a campainha com o vinho numa mão e a pizza na outra. Sorri meu melhor sorriso quando ela abriu a porta - dava pra ouvir o som dos Stones rolando alto ali , brown sugar baby!

-Mas hoje eu não pedi pizza... muito menos um vinho!
-Eu sei que não. Eu trouxe pra nós.
-Então vai ser pra nós três.
-Nós três?
-É. Eu , você e o Marcão. Meu namorado que chegou de Maringá hoje.

Bati a porta na cara dela. Vadia , como assim "meu namorado de Maringá"? Nenhuma mulher que dá uma gorjeta de dois reais , usa uma camiseta dos Ramones e ainda pisca pra mim deveria me rejeitar. É contra a lei dos relacionamentos dos motoboys! Mas tudo bem... ela também não era aquela Brastemp.

sábado, 25 de abril de 2009

Pequenos Delitos Românticos

"Nos deparamos, numa esquina, num lugar comum.
E aí? Quais são seus planos?
Eu até que tenho vários.
Se me acompanhar, no caminho eu possso te contar. "
(Dois , Tiê)

A noite é fria e densa , e me lembra você. Talvez seja só esse cara que toca insistente , guitarras sujas num ritmo insistente. Eu fico só aqui procurando qualquer distração , abro a janela , novas melodias enquanto você não dá um sinal qualquer de vida. Um maluco me chama pruma conversa , fala sobre a canção de verão que você gostou - antes mesmo que eu pudesse te dizer sobre ela.

Praças , parques , terraços , avenidas. Canções de verão combinam com tudo isso. E você também. Éramos feito duas crianças tateando um mundo novo - você já me sabia , assim como eu também já te sabia , mas não daquele jeito inédito e inesperado. Tudo chegou tão rápido que nós mesmos nos estranhamos e não acreditamos naquilo tudo até agora.

Corre o tempo contra nós , um afago no teu rosto. Talvez isso tudo não passe de prosa bêbada tentando ser poesia pra te enaltecer enquanto você dorme - não nos meus braços , não hoje. Só sei que eu nunca sei o que te dizer quando você tem que dizer tchau. Eu sempre quero te causar um sorriso , um carinho ou coisa qualquer inesperada. Mas tenho medo de me trair depois ou me fazer sentimental demais e gerar teu desprezo. E aí eu não faço nada e fico só te olhando , do jeito mais terno que eu posso.

Vem comigo pela rua noite adentro , vento na cara , trompetes a soar , enfrentando as luzes dos carros , cometendo pequenos delitos românticos: me rouba um beijo , um abraço , faço uma chantagem pra ganhar um carinho. Ninguém tem nada a ver com isso , só nós dois na mesa de um café , sorrisos no canto da boca , disfarçando a felicidade que chega a ser óbvia. Na verdade , no duro mesmo? A vida é filme sim. Mas não me importa o cenário , a direção de arte , a fotografia ou a trilha sonora , pois eu só quero saber mesmo é da estrela principal. E o roteiro a gente deixa pra inventar depois.

segunda-feira, 20 de abril de 2009

Schweppes Citrus

A pedidos , a volta do nosso herói motoboy ex-estudante de História na PUC.

Aconteceu que aquele dia eu não perdi o emprego , nem no seguinte , nem na semana seguinte. Parece que a maré tava virando pro meu lado. É um sábado à noite , o dia mais corrido da semana lá na pizzaria. Portuguesa pra lá , com cebola , sem cebola , três Cocas com uma marguerita , duas atum e uma calabresa... rúcula com tomate seco e champignons e uma Schweppes Citrus pra entregar na rua Cubatão. Peraí , Schweppes Citrus?! Deve ser um puta dum viado que tá pedindo isso , eu pensei.

Beleza , vamo lá. O pior que pode acontecer é eu ganhar uma gorjeta legal , e gorjetas são sempre muito úteis. Ajudam a comprar gasolina , ou melhor: um vinil por dois reais no sebo da Cisplatina. Com algumas gorjetas de sábado já daria pra comprar o Psicoacústica do IRA! que eu namorava há algum tempo e o cara não fazia mais barato nem a pau.

Saio pela Loefgren a toda , entro na Afonso Celso pra depois cair ali na estação Vila Mariana. Passo a Domingos , farol vermelho , essa cidade que é um Velho Oeste no trânsito do sábado à noite , Vergueiro , entro na Estela pra virar pra Cubatão. Um prédio antigo , com portaria no hall e tal e coisa. É pro 134 , posso subir? Pode sim , sobe lá. Porteiro gente fina , me deixou até subir pelo social e não reclamou. Deve ter sido motoboy em outra vida.

Aperto a campainha. Tá tocando Bowie , a fase boa dançante , final dos anos 70 pro começo dos 80 , Let's Dance. Abre uma gata linda , morena , cabelos curtos , olhos verdes e uma camiseta larga dos Ramones.

- Bonita camiseta... Uma pizza de rúcula com tomate seco e champignons e uma Schweppes Citrus. Quarenta e oito reais. - Haha , obrigada. Tá aqui. (Uma nota de cinquenta) O troco é teu. - E deu uma piscadela pra mim.

Ah rapaz , hoje é meu dia de sorte! Na pior das hipóteses , vai dar pra comprar o Psicoacústica. Na melhor , quinta-feira é meu dia de folga mesmo e eu não tenho nenhum livro novo pra ler...

sexta-feira, 17 de abril de 2009

Fragmento de um Romance Inédito #7

"Walking back to you is
The hardest thing that I can do
That I can do for you. For you"
(Just Like Honey , Jesus & Mary Chain)

Engraçado como o mundo dá voltas que nem mesmo a gente entende. Um professor meu já justificou que as fotos em papel valem muito mais que as digitais pelo prazer de estar arrumando o quarto e encontrar um velho álbum de fotos. Talvez seja por isso que eu ainda anote algumas coisas em bloquinhos. E foi revirando um deles , do final do ano passado , que eu encontrei isso daqui.

"Sarah. Ela era legal , realmente legal. Ela gostava de poesia , como eu. E ela gostava de bossa nova e de Chico e de Beatles , como eu. E ela usava All Stars , como eu. Qual era o problema , porra? Talvez ela fosse certinha demais , nerd demais pra mim , apesar do fato de eu também ser um nerd. O nerd moderno , antes que vocês comecem a pensar algo realmente tosco sobre mim. Talvez ela fosse muito branca , diria Sérgio. Mas é quase certo que eu pensava que ela não me daria o último sucesso de Marvin Gaye antes de morrer. Sexual healing , babe. Ela não era rock'n roll.".

Cegueira. O que eu não vi foi que eu não precisava só do rock'n roll e de um sucesso do soul pra ser feliz. Como eu mesmo disse pra ela semana passada: minha música perfeita não precisava de guitarras fritando ou grandes solos de bateria. Eu era muito mais chegado em um violãozinho , uma guitarra com slide (ao estilo GeorgeHarrisoniano) e uma letra esperta. Tem certas coisas que a gente só entende depois de um tempo. E nunca sabe ao certo se vai dar pra concertar.

(Mas um novo arranjo pode mudar tudo numa canção).

domingo, 12 de abril de 2009

Uma frase

Apenas uma citação pra preencher espaço ou pra pensar ou pra encher lingüiça ou pra dizer que há alguns dias nada sai de decente dessa cachola.

"Nunca me ensinaram a arte da solidão, tive de aprendê-la sozinho. Ela se tornou tão necessária para mim quanto Beatles, tanto quanto beijos na nuca e carinho".
(Intimidade, Hanif Kureishi)

sexta-feira, 3 de abril de 2009

Série Luxo Azul

"já procurei no dicionário pra tu ver que eu não sou um cara ruim"
(malevolosidade , superguidis)

Mais repetitiva que a minha vida só os jornais que o vizinho recebe e ficam jogados no capacho toda manhã. Eu sempre leio a manchete antes de pegar o elevador , e algumas pequenas chamadas quando a senhora gorda do 32 tá dentro dele , e nada parece mudar. O Obama aprova mais um pacote pra economia toda vez que eu sou despedido de um emprego novo. O Dado Dolabela ou o Ricardo Mansur ou qualquer outro desses aparece de namorada nova toda vez que eu tomo um fora. Atraso o aluguel e estoura outro escândalo de corrupção no Brasil.

É uma coisa linda. Gasto meus últimos trocados em livros e vinis. De que me importa não ter dois reais pra comprar um pacote de um quilo de arroz , se eu achar um livro qualquer da Brasiliense dos anos 80? - ainda mais se for uma das primeiras edições. Às vezes eu abro a geladeira - uma Série Luxo azul que tá mais pra quentadeira - só pelo prazer de vê-la vazia e saber que eu não tenho um puto no bolso , mas uma porção de livros na estante.

E olha que eu até sou um cara de boa estirpe. Segundo grau completo , um curso de História na PUC pela metade , diversos cursos de três meses em SESIs , SENAIs e coisas do tipo , não muito bonito mas simpático , sabe cozinhar , mora sozinho num apartamento alugado que , se não é o palácio de Buckingham , também não é a geral do Curintia , um vocabulário dantesco e ajuda velhinhas a atravessar a rua. Não sou um cara ruim. Só um pouco mal-sucedido , mas até aí... de boas intenções até o Bono Vox tá cheio.

E o Bono Vox é amigo do Obama , que tá pra soltar mais um pacote. Puta merda , lá vou eu perder o emprego de motoboy da pizzaria da esquina de novo.