sábado, 21 de março de 2009

O Idiota

"Antônio, o garçon, me serviu, como de costume o sanduíche de salame com queijo provolone no pão francês, chopp gelado e o café expresso, curto e amargo, sem açúcar"
(Tony Bellotto , Bellini e a Esfinge)


O dia tinha começado cedo demais pra mim. E o pior: atrasado , pulei o café da manhã - um delicioso pedaço de bolo da Dona Zefa , minha vizinha - e tomei uma aspirina. O efeito era mais psicológico do que realmente médico: há tempos as minhas dores de cabeça não cessavam com aspirina.

Esvaziei o copo de café gelado e velho da garrafa térmica - o microondas tinha quebrado há tempos e eu sem um puto no bolso pra trocar o gás do fogão - e saí andando pra rua , torcendo para que o Pompéia ainda não tivesse passado. Por sorte , a única do dia , aliás , ele estava no ponto , prestes a sair , portas fechadas , farol vermelho. Bati na porta feito um condenado e o motorista abriu. Lógico , ao contrário de sempre , ele tava lotado. Parece que todas as velhinhas do bairro tinham resolvido fazer uma excursão pra rua Clélia às seis e pouco da manhã.

Justo hoje , amaldiçoei , justo hoje , que eu ia vê-la depois de três meses , eu ia chegar todo suado e amarrotado? Só de raiva , botei o velho Iguana pra tocar. Na época que o Bowie produzia o cara , ele tava mais na sarjeta que cachorro pulguento. Melhor que eu , provavelmente. Ao menos ele tinha cocaína e mulheres a qualquer hora e não morava num quarto-sala-cozinhainhainha alugado com três meses de atraso no Ipiranga. Éramos dois excitados pela vida , mas só eu era um passageiro do glorioso 478P-31.

Depois de carinhosamente me acomodar entre um armário Marabraz de nogueira e outro de marfim , os dois cheirando a suor , me pus a marcar o tempo das canções... here comes success , era sempre o que eu pensava quanto tinha de aturar aquele tipo de coisa. I couldn't escape this feeling , my china girl. A versão do Bowie parece um toque de celular perto da do Iggy. Por falar em celular , o meu estava tocando. Pedi a Deus pra que não tivesse de esbarrar nos maçanetes dos armários. Atendi o celular. Ela.

- Oi... Promete que não vai ficar bravo?
- Fala vai , eu já tô acostumado...
- Eu perdi a hora. (Bocejo). Desculpa... depois a gente se fala.
- Tá , tá , vai pra escola , isso é importante. Depois a gente conversa.

Oh sweet sixteen. Tá , às vezes não tão sweet quando eu desejaria , sixteen mais madura que eu. Bom , pelo menos agora eu podia ficar amarrotado em paz. A barriga urrava por comida e o ônibus não andava. O trânsito de uma sexta-feira véspera de carnaval prolongado podia ser meio punk , mas às seis e meia da manhã? Finalmente , a Paulista. Desci no primeiro ponto que dava pra descer - ou seja , uns três depois do meu , dada a lotação do ônibus - , já que eu tava meio cansado de contrariar as leis da Física. Vale sempre lembrar: em um ônibus qualquer cabem até três corpos no mesmo lugar. Num Cidade Tiradentes , cinco.

Assim que eu desci , entrei no primeiro boteco disponível e pedi dois pão com manteiga na chapa. A dor de cabeça continuava a pentelhar. Os pão com manteiga vieram gordurosos e sem sal. Foda-se , ao menos era comida e tão barato que era até troco pra mendigo. Passei na primeira banca de jornal e comprei um Notícias Populares.

O NP virou capa de chuva , deixando escorrer sangue e água de suas páginas. Cheguei na faculdade todo ensopado. PUTAMERDA! Produção em massa de cérebros , irmã meia-noite. Mas hoje à noite vai estar tudo certo , e eu escolhi viver. E não uso um All Star branco.

2 comentários:

Mel S. disse...

Haha!
Faculdade = Cásper???
Huahauhaua

Curti!!!

Anônimo disse...

Muito bom! Os textos estão cada dia melhores.